100 Milhas da Serra do Mar –
Paraná/Morretes
12/13 de outubro 2018
O ano de 2018 foi muito marcante
na minha vida de corredor, bati muitos recordes pessoais, subi muitas vezes ao
pódio tanto em provas curtas como em longas, e sem dúvida nenhuma foi o ano que
mais me dediquei e treinei, pois o meu corpo estava respondendo bem ao
tratamento da espondilite anquilosante, poucas dores, poucas inflamações e
muita satisfação pessoal, em julho tinha repetido a distância dos 65kms na
Ultramaratona Internacional dos Anjos (UAI) com a intenção de fazer bem melhor
que no ano anterior, consegui diminuir quase uma hora ao final da prova e
chegar inteiro.
Continuei fazendo meus treinos e
provas normalmente até que saiu a data para uma prova que estava de olho no
Paraná, as 100 MILHAS DA SERRA DO MAR, prova organizada pelo nosso amigo Edgard
França da CORRERENADAR, uma prova que tem várias distâncias para escolher, de
30Kms, 50k, 80k, 100k e a prova cheia, as 100 milhas ou 160kms, vale ressaltar
que a distância de 160k tem o tempo limite de 26 horas, o que é insano demais
para uma prova desse tamanho e o tempo de corte de 11 horas para os primeiros
80k. Vale lembrar que no ano de 2017 apenas dois atletas conseguiram terminar
as 100 milhas dentro do prazo de 26 horas, um na modalidade survivor e outro
com carro de apoio.
Dito isto, a edição de 2018 a
qual participei, os atletas só poderiam participar na prova cheia se fosse com
apoio. Como minha intenção era os 80k eu nem me preocupei, fiz minha inscrição
e junto comigo aqui de São Paulo iria meu grande amigo e parceiro de Ultras o
Leandro Fernandes e na distância de 30k meu outro grande amigo Ednaldo Araújo.
Tudo certo, todos inscritos aí outro grande amigo, o incansável Márcio Zittei
de Bertioga se interessou pela prova e se inscreveu também, só que para os 160
kms, e não satisfeito...kkk...me propôs de eu alterar minha inscrição também
para esses 160kms...JESUS AMADO...falei comigo mesmo...rsrs...e disse para o
Márcio: meu amigo, não tem como, a maior distância que corri foram 84kms, e foi
em 12 horas, e foi em pista plana....mais uma vez...JESUS AMADO.
O Marcio insistiu que eu
conseguiria, que eu estava tendo um ano fantástico e que ainda faltavam alguns
meses para me preparar melhor, que faríamos a prova ombro a ombro do início ao
fim.
Fui assimilando aquilo tudo,
pensei por algum tempo e claro né? Topei, todo bom ultramaratonista tem que
estar sempre pronto para fazer a próxima *loucura (*leia-se estupidez kkkk).
Desafio aceito o Márcio já tinha a equipe de apoio montada, os tbm
ultramaratonistas Fernando Hellmaister, vulgo Nando ou Barba Ruiva ou
Ultraciborgue Barba Ruiva...kkkk...piada interna e o Christian aqui de Osasco,
outro casca grossa com um conhecimento inacreditável sobre provas, logística e
capacidade humana, esses dois caras vale ressaltar são dois Irmãos hj pra mim,
eu já os admirava antes da prova, depois dela dou um braço meu por qualquer um
deles.
Bom, tudo certo para a prova né?
Não!!! Eu precisava aumentar e muito a rodagem nos treinos, tomar o máximo de
cuidado para não me machucar, me alimentar e descansar direito e treinar meu
amigo, treinar, treinar, treinar...
As rodagens consistiam em treinar
curto e muito forte e de preferência com alguma subida de segunda a quinta,
descansar na sexta e longão sábado ou domingo. O detalhe é que esses longões
sempre foram em locais com ganho altimétrico de arrebentar tipo, Pico do
Jaraguá (acho que fui 3x), Parque do Horto Núcleo da Pedra Grande, e sair de
casa e ir até Mairiporã e voltar pela Fernão Dias, esse o mais longo e mais
perigoso pelo local, e com exceção do Pico do Jaraguá todos os outros treinei
sozinho, mas estava acostumado, pois na maioria das ultramaratonas de estradão
ou montanha vc passa longos períodos da prova sem ver ninguém, é assim que é e
você acaba aprendendo a sobreviver na raça e com a força do Divino. Quanto mais
próximo da data da prova eu me sentia mais confiante, pois tive poucos
problemas durante os treinamentos, felizmente. Na semana da prova só comilança
e descanso pois a logística para chegar a Morretes seria o início da minha
prova...rsrs...a largada dos 160k estava programada para a sexta a noite, as
22:00h junto com o pessoal dos 100k. As outras distâncias largariam na manhã de
sábado, o que daria a esses atletas a chance de chegar na sexta e descansar
para a largada no sábado. Minha largada na real foi na quinta feira as 2:30h da
madrugada, tinha que sair aqui de SP e ir até Bertioga até a casa do Marcio
para irmos de carro para o Paraná, e antes disso pegar o Nando na casa dele em
Santos e encontrar o Chris na Rodoviária em Santos também, saí de moto debaixo
de um temporal, sorte é pra quem tem né? Tomei chuva da minha casa até a casa
do Márcio em Bertioga, chegando lá a chuva passou. Eu mereço...
Arrumamos tudo, pegamos todo
mundo, tomamos café e pé na estrada, muita resenha, planejamento, projeção da
prova, música boa no carro e claro, ninguém dormiu nada até chegarmos no
Paraná, paramos no Portal de Quatro Barras, tiramos umas fotos e descemos a
Serra da Graciosa, meu Deus que lugar lindo, lá embaixo, depois da Serra
resolvemos parar para almoçar, devia ser umas 14h, não me recordo mais, achamos
um lugar simples e com uma comida maravilhosa e partimos para a pousada em
Morretes para tentar descansar um pouco. O tempo estava meio nublado mas não
estava frio, em Morretes o clima é bem litorâneo apesar da proximidade da Mata
Atlântica. Chegou até a garoar bastante alguma horas antes da largada.
Nós saímos da pousada em direção
ao colégio onde seria dada a largada da prova, ainda tínhamos que retirar
nossos kits de corrida, número de peito, chip e entregar os atestados
necessários para poder participar da prova. Tudo feito e conferido era só
esperar as ultimas horinhas até a largada as 22:00h. Os demais atletas chegavam
aos poucos no colégio, alguns velhos amigos e outros que viria a conhecer na
prova.
Faltando uns 10 minutos para
largada todos se reuniram em volta do pódio para bater aquela foto e desejar
uma boa prova. Esses 10 minutos são uma eternidade quando o desafio é tão
grande, você fica ali tentando planejar tudo o que deve fazer, mas na verdade o
que vai fazer a diferença é todo tempo que foi dedicado aos treinos, aos
cuidados com as coisas que você vai usar durante horas e mais horas correndo.
Essa falta de cuidado com esses detalhes podem acabar com a sua prova muito
rápido.
COMEÇA A JORNADA
Pontualmente as 22H00h foi dada a
largada para os atletas dos 100 e 160kms, como planejado ficamos no mesmo ritmo
o Marcio que ía fazer os 160k comigo ombro a ombro e o Sergio Ribeiro que
estava na prova dos 100k até o quilometro 50 que seria o ponto de volta dele. O
início de prova é sempre uma festa e quebra aquela tensão pré prova. Os 3
primeiros kms são no asfalto então começa o estradão de terra e pedras, bem
irregular como deve ser diga-se de passagem, e depois de uns 10kms começamos a
subir a Serra, é um sobe e desce bem alternado com algumas ascendentes mais
acentuadas, notei no semblante do Marcio uma certa apreensão e perguntei o que
estava acontecendo, infelizmente ele estava sentindo uma lesão na
panturrilha...nós paramos na hora para avaliar o que dava pra fazer, enfaixar,
passar spray de gelo e tomar algum remédio, fizemos tudo isso e continuamos por
mais alguns quilômetros. Infelizmente meu amigo Marcio Zitei, parou e já estava
com lágrimas nos olhos por saber que não daria mais para ele continuar, e ele
se cobrava por ter me colocado naquela situação e não poder mais fazer a prova
junto. Foram uns 10 minutos de choque para todos nós, foi difícil ver meu amigo
desistindo daquela forma, mas nós decidimos alí naquele momento de dor que eu
honraria ele e os meninos que estavam dando o apoio no carro, o Nando e o
Chris, e mais, o Marcio acabou se tornando mais um apoio da equipe, e isso foi
fundamental na nossa prova.
Recomeçamos a prova, agora o
Sergião e eu e eventualmente algum outro atleta que as vezes emparelhava
conosco por alguns kms. Acabamos conversando bastante nessa parte do percurso,
o que amenizava um pouco a nossa tristeza pela lesão do Zitei e também nos
distraía um pouco da dureza da prova. Seria uma noite bem longa...
Meu ritmo era mais forte que o do
Sergio, e algumas vezes eu abria uma certa distância e esperava ele novamente,
mas ele iria parar no km 50 que era o ponto de retorno da prova de 100kms e eu
prosseguiria até o km 80 que era o meu ponto de volta, só que o apoio não
retornaria com o Sergio, o que significa que ele faria os 50kms de volta
sozinho, sem apoio, então ficou combinado deles pararem juntos no km 50 e
preparem bem as coisas para que ele voltasse sozinho mas com tudo o que
precisasse para não ter nenhum problema no trajeto de volta, isso significava
também que a partir do km 50 eu ficaria sozinho por algum tempo até eles terminarem
esse trâmite com o Sergião, o que na verdade aconteceu a partir do km 35 ou 40
devido ao meu ritmo estar mais forte, lembro que peguei uma garrafa de água
cheia, comi alguma coisa e me despedi deles até algum ponto futuro onde nos
veríamos novamente.
Dei uma diminuída no ritmo pois
acabei não vendo uma marcação em uma curva e fui parar dentro de uma
chácara...rsrs...a escuridão foi em parte responsável. Em alguns pontos não
tinha iluminação nenhuma e com árvores grandes dos dois lados a luminosidade da
noite que estava muito clara e bonita não passava. Ainda bem que os cachorros
estavam presos.
Voltei para o caminho e logo um
casal de amigos lá do Paraná se aproximou de mim, o Alexander Dias Santos e sua
esposa a Ultramaratonista Michele Claudino, conheci eles em outra prova lá no
Paraná, em Quatro Barras precisamente, e nos tornamos amigos desde então, acho
que só não encontrei com eles uma única vez que fui ao Paraná com o Leandro.
Enfim, eles estavam num ritmo bem
legal e achei melhor não acompanhar, apesar de eu também não estar lento, mas é
uma prova muito longa, resolvi ser mais reservado, então fiquei sozinho na
vastidão da noite novamente, passei pelo PC do km 50 comi umas frutas e tomei
café quente, que coisa boa, peguei umas bolachas e parti novamente sozinho,
torcendo para estar tudo bem com meus amigos.
A HORA DA ONÇA
Em provas de longas distâncias
acontecem certas coisas que a gente jamais imaginaria ver ou situações das
quais nunca esperamos passar, mas o imprevisível faz parte da natureza dessas
corridas. Não sei ao certo que hora da madrugada era, mas eu estava correndo só
havia muito tempo, estava num ritmo gostoso, a madrugada estava com uma
temperatura muito agradável e o céu estava completamente limpo, aquela altura
eu estava curtindo demais a prova, de repente meus sentidos ficaram aguçados de
uma forma inexplicável, percebi que estava um silêncio inacreditável, antes a
trilha sonora era de rãs e grilos constante, mas isso tinha parado, e por
intuição eu também parei de correr por um instante, senti um arrepio tão forte
subindo pela coluna como nunca havia sentido antes, era uma parte da estrada em
que dos dois lados não tinham árvores, mas um mato que estava mais ou menos na
altura da cintura, ouvi um barulho no mato pelo meu lado esquerdo a cerca de
uns 15 ou 20 metros, percebi a vegetação se mexer, ouvi aquele ronronado que só
um felino é capaz de produzir, instantaneamente senti medo, muito medo, não um
medinho qualquer, mas algo que jamais vou me esquecer, medo pela minha vida,
não corri, apontei minha head lamp na direção do mato e comecei a andar de
costas, fiz um barulhão com a boca, para o meu desespero recebi uma resposta,
puta que pariu, era mesmo algum felino, o que eu deveria fazer? Lembrei das
centenas de vezes que assisti aos programas do Discovery Channel...kkk....não
dê as costas e saia correndo em hipótese alguma. Achei um pedaço de pau, um galho,
sei lá e comecei a andar de lado sempre apontando a luz na direção do mato,
eventualmente dava uns gritos na direção do barulho, cara eu tava assustado mas
não perdi o controle, continuei nessa pegada por alguns minutos, nem sei
quantos, até finalmente a sensação ruim passar. Porra, não aparecia uma alma,
um carro de apoio e nenhum corredor...longas distâncias são solitárias, na
maioria das vezes belas mas algumas vezes assustadoras.
AMANHECER
Morretes
Pouco antes de amanhecer alcancei
o casal de amigos, cheguei até com bastante facilidade e resolvi aproveitar a
companhia deles, percebendo que eles estavam um pouco mais desgastados que o
normal, até aí tranquilo, muitas vezes dá pra recuperar o fôlego diminuindo o
ritmo e repondo algumas calorias, faz parte. Finalmente com o raiar do dia por
volta de umas 6 horas da manhã os meninos chegaram com o carro, que alegria, eu
estava com fome, ainda tinha água na minha garrafa mas aproveitei e peguei
outra, comi pão, frios e purê, tomei refrigerante também, nós oferecemos tudo
para os meus dois amigos também, mas eles não queriam aceitar, e de tanto eu
insistir eles comeram pão com alguma coisa...rsrs...e pegaram refrigerante
também, estava claro que eles precisavam muito também. Eles enfim comeram bem,
se hidrataram e nós continuamos a jornada. Não sei se foi por cansaço, eles
adotaram a estratégia de caminhar mais que correr, e eu fiquei um bom tempo com
eles nessa pegada até que me deu um estalo e me despedi deles, então passei a
correr novamente, trotei por mais uma hora mais ou menos, alternando algumas
caminhas nas subidas, infelizmente o estrago já estava feito.
5/1 DEPOIS DE 70K
Pouco antes da 8 horas da manhã o
Nando desceu do carro com ar apreensivo e me falou apontando o relógio:
Barba, a gente tem uma hora e
cinco minutos pra correr 12kms, curto e grosso.
Eu respondi, é o que? Puta que
pariu...ferrou. É claro que eu estava bem cansado, mas ao mesmo tempo aquilo
deu uma descarga de adrenalina tão grande que começamos a correr, o Nando
puxando e eu acompanhando, entramos num piloto automático, a gente tava
correndo na pegada mesmo, e o percurso continuava naquele sobe e desce sem
parar, passados alguns kms o Chris substituiu o Nando e a pegada continuava a
mesma, eu brinquei, ninguém vai me substituir não? Kkkk A gente começou a
encontrar outros corredores que já tinham chegado lá no PC dos 80k e estavam
voltando, todos eles nos davam aquela força pra chegar antes do horário de
corte as 9 horas da manhã, nisso eu lembrei do casal que ficou para trás, eu já
tinha certeza que eles não chegariam a tempo, eu não tinha certeza nem se eu
chegaria. Finalmente o caminho começou a ficar paralelo com a rodovia,
avistamos o pedágio e depois de mais alguns minutos finalmente chegamos no PC,
no 80k, avistamos o Edgar França, o organizador
da prova na porta do restaurante onde estava instalado o PC, perguntei
aflito: Deu tempo?
Ele sorriu e respondeu, sim guri,
você chegou faltando 5 minutos pra ser cortado, parabéns. Vá comer um macarrão
porque tem mais 80kms pra voltar ainda.
Comi duas porções...rsrs
Avisei o Edgar sobre o Alexsander
e esposa dele, ao que me respondeu que iria resgatá-los, então a equipe e eu
passamos a planejar a volta, que apesar de ter um ganho de 3 horas em relação
aos primeiros 80kms, não seria nada fácil, mas estávamos decididos a concluir
esse jornada.
metade do caminho
Já voltando aproximadamente no
90km paramos numa espécie de prainha formada numa curva de um belo riacho que
eu já tinha vislumbrado quando passamos aflitos cerca de uma hora antes, o
lugar era tão lindo que a gente não poderia deixar de parar lá e aproveitar uns
20 minutos para relaxar, e cara, foi a melhor decisão que a gente poderia ter
tomado, paramos todos e relaxamos corpo e mente, descalcei o tênis e entrei no
rio, ele era raso de águas claras sobre pedras e correnteza leve, sentei-me em
uma parte rasa e contemplei aquele esplendor da natureza, o Nando aproveitou e
usou o seu drone para fazer umas belas imagens e filmar também. O tempo pareceu
ter parado por quanto estivemos alí. Céu azul, sol brilhando, água cristalina,
bons companheiros, estava tudo correndo bem.
10 minutos de Paz
Sequei os pés, calcei os tênis e
voltamos para a estrada, a longa estrada...a esta altura os meus amigos Leandro
e Ednaldo deveriam estar próximos de largar, é estranho participar da mesma
prova e não ter a menor possibilidade de encontrar seus amigos, só podia torcer
por eles e esperar que terminassem bem suas provas, eu já sabia de antemão as
dificuldades que eles enfrentariam no percurso, a grande diferença é que eles
percorreriam o trajeto na luz do dia e eu somente na escuridão da noite, tanto
na ida quanto na volta...rsrs...sabia que eles também estavam na torcida por
mim.
KMS EM CONTA GOTAS
Continuamos correndo e andando e
correndo, chega um ponto que junta um misto de cansaço, dificuldade, e você
fica chatão...rsrs...é isso mesmo, a frustração de parecer não sair do lugar e
ir ficando mais cansado deixa a gente irritadiço, juro que tentava disfarçar
mas no extremo do cansaço o ser humano se despe de pudores, as vaidades ficam
na largada. Graças a Deus esse time formado pelo Nando, Chris e Marcio Zittei
sabem lidar com isso melhor que ninguém, afinal todos eles são grandes
ultramaratonistas, estão mega calejados com todas as situações possíveis,
seguimos tocando o barco, o calor foi aumentando muito, estava um sol pra cada
um, muito quente mesmo. Pedi uma Brahma Zero para o Nando, a gente tinha de
tudo naquele carro, nossa, a primeira golada é divina, quem toma uma cervejinha
sabe do que estou falando. Não era Skol mas desceu redondo...kkkk
Deixei de me preocupar com o
tempo de prova e quantos kms restavam. Os meninos passaram a me acompanhar no
percurso, cada um revezava um pouco com exceção do Marcio que se incumbiu de
apenas dirigir, as horas foram passando, o sol nos castigando e certa hora
comentei com o Nando, bem que poderia cair uma chuvinha pra refrescar, falei
isso por ter avistado algumas nuvens vindo por de trás, mas jamais imaginei que
em menos de meia hora começaria uma chuva que durou aproximadamente umas 7
horas, é sério, o temporal se formou como num passe de mágica e veio forte pra
valer, por umas duas horas choveu muito forte quase que continuamente, na
primeira hora eu curti, lavou a alma, mas depois passou a atrapalhar, meu tênis
estava bem esgarçado e toda hora entrava água com bastante terra nele, e essa
terra incomodava, tinha que tirar o tênis e bater pra tirar a bendita terra, e
com o corpo surrado isso se torna uma tarefa difícil e irritante na medida que
se repetia. A certa altura parei de tirá-la.
MUITAS EMOÇÕES
No meio da tarde quando a chuva
forte deu uma trégua e alternava períodos de garoa e tempo seco, pedi para o
Marcio preparar alguma coisa quente para eu comer, tinha sopa e purê de batatas
ainda, falei para ele misturar os dois que ficaria bom, combinamos que ele se
adiantaria alguns kms com o carro para ir esquentando o rango no fogão portátil
e assim não perdermos tempo, assim quando eu chegasse novamente no carro só
pegaria a comida e continuaria andando e comendo, e assim fizemos, e a garoa
também voltou, fui comendo enquanto andava e tomava mais chuva, chuva fria
vento gelado, mas isso não me incomodava, continuava até sem
camisa...rsrs...mas a sopa esfriou super rápido, antes mesmo de eu terminar de
comer. Mais alguns kms adiante pedi para o Márcio parar o carro um pouco, eu
estava muito cansado, precisava me escorar um pouco pra aliviar as pernas e as
costas, finalmente quando o Márcio achou um lugar seguro para encostar eu
sentei no para-choque traseiro do carro, alí sentado senti todo o peso daquela
prova nas costas, meus 3 amigos estavam ao meu redor, eu levantei a cabeça
olhando pra eles e já em lágrimas falei: Tá foda galera, no que os 3 também
começaram a chorar e me apoiar ainda mais, tiramos força de toda aquela emoção,
eu nunca deixei de acreditar que conseguiria terminar aquela jornada, mas as vezes
eu duvidava que acreditava, dá pra entender?rsrsrs
E assim, com o apoio dos meus
amigos respiramos fundo e recomeçamos a jornada, dali em diante não fizemos
mais nenhuma parada, mas ainda tinha muito chão para percorrer, e a longa
subida da serra.
NOITE DAS ALUCINAÇÕES
Quando começamos a subir a serra,
a noite já tinha caído e a chuva retornou, como eu treinei muito subidas,
consegui apesar de todo cansaço imprimir um ritmo contínuo e forte,
praticamente uma marcha na subida, a falta de dormir nas ultimas 48 horas
contando o início da viagem em São Paulo desencadeou um sintoma que eu conhecia
através da literatura e do testemunho de outros amigos ultramaratonistas,
comecei a alucinar.
Minha mente distorcia quase tudo
que meus olhos enxergavam, eu só conseguia ter foco visual correto olhando para
baixo até uns 3 metros a frente, para se ter uma ideia do que eu estava
enxergando, quando eu fixava o olhar para frente, o caminho ficava todo
distorcido, virava uma aquarela borrada e embaralhada e o mato que acompanhava
todo o percurso dos dois lados, na minha visão periférica pareciam estátuas de
pessoas ou até mesmo parecia uma plateia, como numa arquibancada de estádio,
aquilo era muito louco pois eu tinha plena consciência do que estava
acontecendo, era surreal vivenciar aquilo na própria pele. Essas alucinações só
passariam mais tarde quando nós chegamos na cidade, mas antes ainda tinha a
descida da Serra....rsrsrs....quem foi que disse que para baixo todo Santo
ajuda? Isso não acontece quando seu corpo está totalmente desgastado e o piso
nessa descida é completamente irregular, escorregadio e escuro. Foram muitos
tropeços e xingamentos nessa última descida...kkk....como não xingar? Dava uma
aliviada no sofrimento e distraía a mente um pouco.
Ao final da descida da Serra
ainda a estrada de terra ainda se estendia por alguns longos quilômetros até
chegarmos no asfalto da cidade, a chuva havia passado, as ruas e as casas
estavam totalmente escuras, provavelmente isso foi causado pelas chuvas e
caíram durante todo o dia.
Continuamos trotando já com o
pensamento mais leve, estávamos próximos de concluir nossa jornada, o Márcio
seguiu com o carro sozinho até a chegada da prova que estava a uns dois ou três
quilômetros intermináveis de distância, conforme avançávamos as luzes da cidade
foram voltando a ascender, a rua voltou a ficar iluminada, nós avistamos a
escola na qual foi dada a largada dessa que seria até então minha prova mais
dura já percorrida, o relógio marcava aproximadamente 23:30h quando o Marcio se
juntou comigo, o Chris e o Nando para concluirmos juntos e cruzar a linha de
chegada, todos nós muito emocionados, eu mal acreditei quando olhei o monitor e
vi meu nome escrito em letras maiúsculas:
7º Colocado Geral
1º Colocado Categoria Etária
25:33:17s
Na sequência recebi a linda
medalha e o troféu da nossa conquista, subimos os 4 no pódio para bater aquela
foto inesquecível, todos visivelmente emocionados, mega cansados mas com aquela
sensação maravilhosa de dever cumprido. Foi demais...infelizmente foi a última edição dessa prova.
Pódio com toda a equipe, muito cansados, emocionados e completamente
realizados.
Troféu e medalha de peso.
Leandro Ultra foi o 2º colocado geral na distância dos 50k
Ednaldo Ultra foi 3º colocado na categoria etária dos 30k prova
disputadíssima.