quarta-feira, 9 de setembro de 2020

100 Milhas Da Serra Do Mar (Morretes - Paraná)

 

100 Milhas da Serra do Mar – Paraná/Morretes   

12/13 de outubro 2018

 

O ano de 2018 foi muito marcante na minha vida de corredor, bati muitos recordes pessoais, subi muitas vezes ao pódio tanto em provas curtas como em longas, e sem dúvida nenhuma foi o ano que mais me dediquei e treinei, pois o meu corpo estava respondendo bem ao tratamento da espondilite anquilosante, poucas dores, poucas inflamações e muita satisfação pessoal, em julho tinha repetido a distância dos 65kms na Ultramaratona Internacional dos Anjos (UAI) com a intenção de fazer bem melhor que no ano anterior, consegui diminuir quase uma hora ao final da prova e chegar inteiro.

Continuei fazendo meus treinos e provas normalmente até que saiu a data para uma prova que estava de olho no Paraná, as 100 MILHAS DA SERRA DO MAR, prova organizada pelo nosso amigo Edgard França da CORRERENADAR, uma prova que tem várias distâncias para escolher, de 30Kms, 50k, 80k, 100k e a prova cheia, as 100 milhas ou 160kms, vale ressaltar que a distância de 160k tem o tempo limite de 26 horas, o que é insano demais para uma prova desse tamanho e o tempo de corte de 11 horas para os primeiros 80k. Vale lembrar que no ano de 2017 apenas dois atletas conseguiram terminar as 100 milhas dentro do prazo de 26 horas, um na modalidade survivor e outro com carro de apoio.

Dito isto, a edição de 2018 a qual participei, os atletas só poderiam participar na prova cheia se fosse com apoio. Como minha intenção era os 80k eu nem me preocupei, fiz minha inscrição e junto comigo aqui de São Paulo iria meu grande amigo e parceiro de Ultras o Leandro Fernandes e na distância de 30k meu outro grande amigo Ednaldo Araújo. Tudo certo, todos inscritos aí outro grande amigo, o incansável Márcio Zittei de Bertioga se interessou pela prova e se inscreveu também, só que para os 160 kms, e não satisfeito...kkk...me propôs de eu alterar minha inscrição também para esses 160kms...JESUS AMADO...falei comigo mesmo...rsrs...e disse para o Márcio: meu amigo, não tem como, a maior distância que corri foram 84kms, e foi em 12 horas, e foi em pista plana....mais uma vez...JESUS AMADO.

O Marcio insistiu que eu conseguiria, que eu estava tendo um ano fantástico e que ainda faltavam alguns meses para me preparar melhor, que faríamos a prova ombro a ombro do início ao fim.

Fui assimilando aquilo tudo, pensei por algum tempo e claro né? Topei, todo bom ultramaratonista tem que estar sempre pronto para fazer a próxima *loucura (*leia-se estupidez kkkk). Desafio aceito o Márcio já tinha a equipe de apoio montada, os tbm ultramaratonistas Fernando Hellmaister, vulgo Nando ou Barba Ruiva ou Ultraciborgue Barba Ruiva...kkkk...piada interna e o Christian aqui de Osasco, outro casca grossa com um conhecimento inacreditável sobre provas, logística e capacidade humana, esses dois caras vale ressaltar são dois Irmãos hj pra mim, eu já os admirava antes da prova, depois dela dou um braço meu por qualquer um deles.

Bom, tudo certo para a prova né? Não!!! Eu precisava aumentar e muito a rodagem nos treinos, tomar o máximo de cuidado para não me machucar, me alimentar e descansar direito e treinar meu amigo, treinar, treinar, treinar...

As rodagens consistiam em treinar curto e muito forte e de preferência com alguma subida de segunda a quinta, descansar na sexta e longão sábado ou domingo. O detalhe é que esses longões sempre foram em locais com ganho altimétrico de arrebentar tipo, Pico do Jaraguá (acho que fui 3x), Parque do Horto Núcleo da Pedra Grande, e sair de casa e ir até Mairiporã e voltar pela Fernão Dias, esse o mais longo e mais perigoso pelo local, e com exceção do Pico do Jaraguá todos os outros treinei sozinho, mas estava acostumado, pois na maioria das ultramaratonas de estradão ou montanha vc passa longos períodos da prova sem ver ninguém, é assim que é e você acaba aprendendo a sobreviver na raça e com a força do Divino. Quanto mais próximo da data da prova eu me sentia mais confiante, pois tive poucos problemas durante os treinamentos, felizmente. Na semana da prova só comilança e descanso pois a logística para chegar a Morretes seria o início da minha prova...rsrs...a largada dos 160k estava programada para a sexta a noite, as 22:00h junto com o pessoal dos 100k. As outras distâncias largariam na manhã de sábado, o que daria a esses atletas a chance de chegar na sexta e descansar para a largada no sábado. Minha largada na real foi na quinta feira as 2:30h da madrugada, tinha que sair aqui de SP e ir até Bertioga até a casa do Marcio para irmos de carro para o Paraná, e antes disso pegar o Nando na casa dele em Santos e encontrar o Chris na Rodoviária em Santos também, saí de moto debaixo de um temporal, sorte é pra quem tem né? Tomei chuva da minha casa até a casa do Márcio em Bertioga, chegando lá a chuva passou. Eu mereço...

Arrumamos tudo, pegamos todo mundo, tomamos café e pé na estrada, muita resenha, planejamento, projeção da prova, música boa no carro e claro, ninguém dormiu nada até chegarmos no Paraná, paramos no Portal de Quatro Barras, tiramos umas fotos e descemos a Serra da Graciosa, meu Deus que lugar lindo, lá embaixo, depois da Serra resolvemos parar para almoçar, devia ser umas 14h, não me recordo mais, achamos um lugar simples e com uma comida maravilhosa e partimos para a pousada em Morretes para tentar descansar um pouco. O tempo estava meio nublado mas não estava frio, em Morretes o clima é bem litorâneo apesar da proximidade da Mata Atlântica. Chegou até a garoar bastante alguma horas antes da largada.

Nós saímos da pousada em direção ao colégio onde seria dada a largada da prova, ainda tínhamos que retirar nossos kits de corrida, número de peito, chip e entregar os atestados necessários para poder participar da prova. Tudo feito e conferido era só esperar as ultimas horinhas até a largada as 22:00h. Os demais atletas chegavam aos poucos no colégio, alguns velhos amigos e outros que viria a conhecer na prova.

Faltando uns 10 minutos para largada todos se reuniram em volta do pódio para bater aquela foto e desejar uma boa prova. Esses 10 minutos são uma eternidade quando o desafio é tão grande, você fica ali tentando planejar tudo o que deve fazer, mas na verdade o que vai fazer a diferença é todo tempo que foi dedicado aos treinos, aos cuidados com as coisas que você vai usar durante horas e mais horas correndo. Essa falta de cuidado com esses detalhes podem acabar com a sua prova muito rápido.

COMEÇA A JORNADA

Pontualmente as 22H00h foi dada a largada para os atletas dos 100 e 160kms, como planejado ficamos no mesmo ritmo o Marcio que ía fazer os 160k comigo ombro a ombro e o Sergio Ribeiro que estava na prova dos 100k até o quilometro 50 que seria o ponto de volta dele. O início de prova é sempre uma festa e quebra aquela tensão pré prova. Os 3 primeiros kms são no asfalto então começa o estradão de terra e pedras, bem irregular como deve ser diga-se de passagem, e depois de uns 10kms começamos a subir a Serra, é um sobe e desce bem alternado com algumas ascendentes mais acentuadas, notei no semblante do Marcio uma certa apreensão e perguntei o que estava acontecendo, infelizmente ele estava sentindo uma lesão na panturrilha...nós paramos na hora para avaliar o que dava pra fazer, enfaixar, passar spray de gelo e tomar algum remédio, fizemos tudo isso e continuamos por mais alguns quilômetros. Infelizmente meu amigo Marcio Zitei, parou e já estava com lágrimas nos olhos por saber que não daria mais para ele continuar, e ele se cobrava por ter me colocado naquela situação e não poder mais fazer a prova junto. Foram uns 10 minutos de choque para todos nós, foi difícil ver meu amigo desistindo daquela forma, mas nós decidimos alí naquele momento de dor que eu honraria ele e os meninos que estavam dando o apoio no carro, o Nando e o Chris, e mais, o Marcio acabou se tornando mais um apoio da equipe, e isso foi fundamental na nossa prova.

Recomeçamos a prova, agora o Sergião e eu e eventualmente algum outro atleta que as vezes emparelhava conosco por alguns kms. Acabamos conversando bastante nessa parte do percurso, o que amenizava um pouco a nossa tristeza pela lesão do Zitei e também nos distraía um pouco da dureza da prova. Seria uma noite bem longa...

Meu ritmo era mais forte que o do Sergio, e algumas vezes eu abria uma certa distância e esperava ele novamente, mas ele iria parar no km 50 que era o ponto de retorno da prova de 100kms e eu prosseguiria até o km 80 que era o meu ponto de volta, só que o apoio não retornaria com o Sergio, o que significa que ele faria os 50kms de volta sozinho, sem apoio, então ficou combinado deles pararem juntos no km 50 e preparem bem as coisas para que ele voltasse sozinho mas com tudo o que precisasse para não ter nenhum problema no trajeto de volta, isso significava também que a partir do km 50 eu ficaria sozinho por algum tempo até eles terminarem esse trâmite com o Sergião, o que na verdade aconteceu a partir do km 35 ou 40 devido ao meu ritmo estar mais forte, lembro que peguei uma garrafa de água cheia, comi alguma coisa e me despedi deles até algum ponto futuro onde nos veríamos novamente.

Dei uma diminuída no ritmo pois acabei não vendo uma marcação em uma curva e fui parar dentro de uma chácara...rsrs...a escuridão foi em parte responsável. Em alguns pontos não tinha iluminação nenhuma e com árvores grandes dos dois lados a luminosidade da noite que estava muito clara e bonita não passava. Ainda bem que os cachorros estavam presos.

Voltei para o caminho e logo um casal de amigos lá do Paraná se aproximou de mim, o Alexander Dias Santos e sua esposa a Ultramaratonista Michele Claudino, conheci eles em outra prova lá no Paraná, em Quatro Barras precisamente, e nos tornamos amigos desde então, acho que só não encontrei com eles uma única vez que fui ao Paraná com o Leandro.

Enfim, eles estavam num ritmo bem legal e achei melhor não acompanhar, apesar de eu também não estar lento, mas é uma prova muito longa, resolvi ser mais reservado, então fiquei sozinho na vastidão da noite novamente, passei pelo PC do km 50 comi umas frutas e tomei café quente, que coisa boa, peguei umas bolachas e parti novamente sozinho, torcendo para estar tudo bem com meus amigos.

A HORA DA ONÇA

Em provas de longas distâncias acontecem certas coisas que a gente jamais imaginaria ver ou situações das quais nunca esperamos passar, mas o imprevisível faz parte da natureza dessas corridas. Não sei ao certo que hora da madrugada era, mas eu estava correndo só havia muito tempo, estava num ritmo gostoso, a madrugada estava com uma temperatura muito agradável e o céu estava completamente limpo, aquela altura eu estava curtindo demais a prova, de repente meus sentidos ficaram aguçados de uma forma inexplicável, percebi que estava um silêncio inacreditável, antes a trilha sonora era de rãs e grilos constante, mas isso tinha parado, e por intuição eu também parei de correr por um instante, senti um arrepio tão forte subindo pela coluna como nunca havia sentido antes, era uma parte da estrada em que dos dois lados não tinham árvores, mas um mato que estava mais ou menos na altura da cintura, ouvi um barulho no mato pelo meu lado esquerdo a cerca de uns 15 ou 20 metros, percebi a vegetação se mexer, ouvi aquele ronronado que só um felino é capaz de produzir, instantaneamente senti medo, muito medo, não um medinho qualquer, mas algo que jamais vou me esquecer, medo pela minha vida, não corri, apontei minha head lamp na direção do mato e comecei a andar de costas, fiz um barulhão com a boca, para o meu desespero recebi uma resposta, puta que pariu, era mesmo algum felino, o que eu deveria fazer? Lembrei das centenas de vezes que assisti aos programas do Discovery Channel...kkk....não dê as costas e saia correndo em hipótese alguma. Achei um pedaço de pau, um galho, sei lá e comecei a andar de lado sempre apontando a luz na direção do mato, eventualmente dava uns gritos na direção do barulho, cara eu tava assustado mas não perdi o controle, continuei nessa pegada por alguns minutos, nem sei quantos, até finalmente a sensação ruim passar. Porra, não aparecia uma alma, um carro de apoio e nenhum corredor...longas distâncias são solitárias, na maioria das vezes belas mas algumas vezes assustadoras.

 

 

AMANHECER

    Morretes

Pouco antes de amanhecer alcancei o casal de amigos, cheguei até com bastante facilidade e resolvi aproveitar a companhia deles, percebendo que eles estavam um pouco mais desgastados que o normal, até aí tranquilo, muitas vezes dá pra recuperar o fôlego diminuindo o ritmo e repondo algumas calorias, faz parte. Finalmente com o raiar do dia por volta de umas 6 horas da manhã os meninos chegaram com o carro, que alegria, eu estava com fome, ainda tinha água na minha garrafa mas aproveitei e peguei outra, comi pão, frios e purê, tomei refrigerante também, nós oferecemos tudo para os meus dois amigos também, mas eles não queriam aceitar, e de tanto eu insistir eles comeram pão com alguma coisa...rsrs...e pegaram refrigerante também, estava claro que eles precisavam muito também. Eles enfim comeram bem, se hidrataram e nós continuamos a jornada. Não sei se foi por cansaço, eles adotaram a estratégia de caminhar mais que correr, e eu fiquei um bom tempo com eles nessa pegada até que me deu um estalo e me despedi deles, então passei a correr novamente, trotei por mais uma hora mais ou menos, alternando algumas caminhas nas subidas, infelizmente o estrago já estava feito.

5/1 DEPOIS DE 70K

Pouco antes da 8 horas da manhã o Nando desceu do carro com ar apreensivo e me falou apontando o relógio:

Barba, a gente tem uma hora e cinco minutos pra correr 12kms, curto e grosso.

Eu respondi, é o que? Puta que pariu...ferrou. É claro que eu estava bem cansado, mas ao mesmo tempo aquilo deu uma descarga de adrenalina tão grande que começamos a correr, o Nando puxando e eu acompanhando, entramos num piloto automático, a gente tava correndo na pegada mesmo, e o percurso continuava naquele sobe e desce sem parar, passados alguns kms o Chris substituiu o Nando e a pegada continuava a mesma, eu brinquei, ninguém vai me substituir não? Kkkk A gente começou a encontrar outros corredores que já tinham chegado lá no PC dos 80k e estavam voltando, todos eles nos davam aquela força pra chegar antes do horário de corte as 9 horas da manhã, nisso eu lembrei do casal que ficou para trás, eu já tinha certeza que eles não chegariam a tempo, eu não tinha certeza nem se eu chegaria. Finalmente o caminho começou a ficar paralelo com a rodovia, avistamos o pedágio e depois de mais alguns minutos finalmente chegamos no PC, no 80k, avistamos o Edgar França, o organizador  da prova na porta do restaurante onde estava instalado o PC, perguntei aflito: Deu tempo?

Ele sorriu e respondeu, sim guri, você chegou faltando 5 minutos pra ser cortado, parabéns. Vá comer um macarrão porque tem mais 80kms pra voltar ainda.

Comi duas porções...rsrs

Avisei o Edgar sobre o Alexsander e esposa dele, ao que me respondeu que iria resgatá-los, então a equipe e eu passamos a planejar a volta, que apesar de ter um ganho de 3 horas em relação aos primeiros 80kms, não seria nada fácil, mas estávamos decididos a concluir esse jornada.

 metade do caminho

 

 APRECIE AS PEQUENAS COISAS

Já voltando aproximadamente no 90km paramos numa espécie de prainha formada numa curva de um belo riacho que eu já tinha vislumbrado quando passamos aflitos cerca de uma hora antes, o lugar era tão lindo que a gente não poderia deixar de parar lá e aproveitar uns 20 minutos para relaxar, e cara, foi a melhor decisão que a gente poderia ter tomado, paramos todos e relaxamos corpo e mente, descalcei o tênis e entrei no rio, ele era raso de águas claras sobre pedras e correnteza leve, sentei-me em uma parte rasa e contemplei aquele esplendor da natureza, o Nando aproveitou e usou o seu drone para fazer umas belas imagens e filmar também. O tempo pareceu ter parado por quanto estivemos alí. Céu azul, sol brilhando, água cristalina, bons companheiros, estava tudo correndo bem.

 10 minutos de Paz

Sequei os pés, calcei os tênis e voltamos para a estrada, a longa estrada...a esta altura os meus amigos Leandro e Ednaldo deveriam estar próximos de largar, é estranho participar da mesma prova e não ter a menor possibilidade de encontrar seus amigos, só podia torcer por eles e esperar que terminassem bem suas provas, eu já sabia de antemão as dificuldades que eles enfrentariam no percurso, a grande diferença é que eles percorreriam o trajeto na luz do dia e eu somente na escuridão da noite, tanto na ida quanto na volta...rsrs...sabia que eles também estavam na torcida por mim.

KMS EM CONTA GOTAS

Continuamos correndo e andando e correndo, chega um ponto que junta um misto de cansaço, dificuldade, e você fica chatão...rsrs...é isso mesmo, a frustração de parecer não sair do lugar e ir ficando mais cansado deixa a gente irritadiço, juro que tentava disfarçar mas no extremo do cansaço o ser humano se despe de pudores, as vaidades ficam na largada. Graças a Deus esse time formado pelo Nando, Chris e Marcio Zittei sabem lidar com isso melhor que ninguém, afinal todos eles são grandes ultramaratonistas, estão mega calejados com todas as situações possíveis, seguimos tocando o barco, o calor foi aumentando muito, estava um sol pra cada um, muito quente mesmo. Pedi uma Brahma Zero para o Nando, a gente tinha de tudo naquele carro, nossa, a primeira golada é divina, quem toma uma cervejinha sabe do que estou falando. Não era Skol mas desceu redondo...kkkk

Deixei de me preocupar com o tempo de prova e quantos kms restavam. Os meninos passaram a me acompanhar no percurso, cada um revezava um pouco com exceção do Marcio que se incumbiu de apenas dirigir, as horas foram passando, o sol nos castigando e certa hora comentei com o Nando, bem que poderia cair uma chuvinha pra refrescar, falei isso por ter avistado algumas nuvens vindo por de trás, mas jamais imaginei que em menos de meia hora começaria uma chuva que durou aproximadamente umas 7 horas, é sério, o temporal se formou como num passe de mágica e veio forte pra valer, por umas duas horas choveu muito forte quase que continuamente, na primeira hora eu curti, lavou a alma, mas depois passou a atrapalhar, meu tênis estava bem esgarçado e toda hora entrava água com bastante terra nele, e essa terra incomodava, tinha que tirar o tênis e bater pra tirar a bendita terra, e com o corpo surrado isso se torna uma tarefa difícil e irritante na medida que se repetia. A certa altura parei de tirá-la.

 

MUITAS EMOÇÕES

 

No meio da tarde quando a chuva forte deu uma trégua e alternava períodos de garoa e tempo seco, pedi para o Marcio preparar alguma coisa quente para eu comer, tinha sopa e purê de batatas ainda, falei para ele misturar os dois que ficaria bom, combinamos que ele se adiantaria alguns kms com o carro para ir esquentando o rango no fogão portátil e assim não perdermos tempo, assim quando eu chegasse novamente no carro só pegaria a comida e continuaria andando e comendo, e assim fizemos, e a garoa também voltou, fui comendo enquanto andava e tomava mais chuva, chuva fria vento gelado, mas isso não me incomodava, continuava até sem camisa...rsrs...mas a sopa esfriou super rápido, antes mesmo de eu terminar de comer. Mais alguns kms adiante pedi para o Márcio parar o carro um pouco, eu estava muito cansado, precisava me escorar um pouco pra aliviar as pernas e as costas, finalmente quando o Márcio achou um lugar seguro para encostar eu sentei no para-choque traseiro do carro, alí sentado senti todo o peso daquela prova nas costas, meus 3 amigos estavam ao meu redor, eu levantei a cabeça olhando pra eles e já em lágrimas falei: Tá foda galera, no que os 3 também começaram a chorar e me apoiar ainda mais, tiramos força de toda aquela emoção, eu nunca deixei de acreditar que conseguiria terminar aquela jornada, mas as vezes eu duvidava que acreditava, dá pra entender?rsrsrs

E assim, com o apoio dos meus amigos respiramos fundo e recomeçamos a jornada, dali em diante não fizemos mais nenhuma parada, mas ainda tinha muito chão para percorrer, e a longa subida da serra.

NOITE DAS ALUCINAÇÕES

Quando começamos a subir a serra, a noite já tinha caído e a chuva retornou, como eu treinei muito subidas, consegui apesar de todo cansaço imprimir um ritmo contínuo e forte, praticamente uma marcha na subida, a falta de dormir nas ultimas 48 horas contando o início da viagem em São Paulo desencadeou um sintoma que eu conhecia através da literatura e do testemunho de outros amigos ultramaratonistas, comecei a alucinar.

Minha mente distorcia quase tudo que meus olhos enxergavam, eu só conseguia ter foco visual correto olhando para baixo até uns 3 metros a frente, para se ter uma ideia do que eu estava enxergando, quando eu fixava o olhar para frente, o caminho ficava todo distorcido, virava uma aquarela borrada e embaralhada e o mato que acompanhava todo o percurso dos dois lados, na minha visão periférica pareciam estátuas de pessoas ou até mesmo parecia uma plateia, como numa arquibancada de estádio, aquilo era muito louco pois eu tinha plena consciência do que estava acontecendo, era surreal vivenciar aquilo na própria pele. Essas alucinações só passariam mais tarde quando nós chegamos na cidade, mas antes ainda tinha a descida da Serra....rsrsrs....quem foi que disse que para baixo todo Santo ajuda? Isso não acontece quando seu corpo está totalmente desgastado e o piso nessa descida é completamente irregular, escorregadio e escuro. Foram muitos tropeços e xingamentos nessa última descida...kkk....como não xingar? Dava uma aliviada no sofrimento e distraía a mente um pouco.

Ao final da descida da Serra ainda a estrada de terra ainda se estendia por alguns longos quilômetros até chegarmos no asfalto da cidade, a chuva havia passado, as ruas e as casas estavam totalmente escuras, provavelmente isso foi causado pelas chuvas e caíram durante todo o dia.

Continuamos trotando já com o pensamento mais leve, estávamos próximos de concluir nossa jornada, o Márcio seguiu com o carro sozinho até a chegada da prova que estava a uns dois ou três quilômetros intermináveis de distância, conforme avançávamos as luzes da cidade foram voltando a ascender, a rua voltou a ficar iluminada, nós avistamos a escola na qual foi dada a largada dessa que seria até então minha prova mais dura já percorrida, o relógio marcava aproximadamente 23:30h quando o Marcio se juntou comigo, o Chris e o Nando para concluirmos juntos e cruzar a linha de chegada, todos nós muito emocionados, eu mal acreditei quando olhei o monitor e vi meu nome escrito em letras maiúsculas:

 CLAUDEMIR DOS SANTOS    

7º Colocado Geral

1º Colocado Categoria Etária

25:33:17s

Na sequência recebi a linda medalha e o troféu da nossa conquista, subimos os 4 no pódio para bater aquela foto inesquecível, todos visivelmente emocionados, mega cansados mas com aquela sensação maravilhosa de dever cumprido. Foi demais...infelizmente foi a última edição dessa prova.

 

Pódio com toda a equipe, muito cansados, emocionados e completamente realizados.

Troféu e medalha de peso.

 Aqui não poderia deixar de postar as conquistas dos meus amigos:

Leandro Ultra foi o 2º colocado geral na distância dos 50k

Ednaldo Ultra foi 3º colocado na categoria etária dos 30k prova disputadíssima.

 

 #Corredoressemfreio